A celeridade dos negócios – cada vez mais relevante para a economia nacional e mundial – implica reconhecer que atrasos na cadeia produtiva e de fornecimento de produtos acabados ou de insumos pode trazer prejuízos significativos para os agentes de mercado, com as empresas do setor farmacêutico, de equipamentos médicos e de alimentos.
Nos últimos meses, empresas destes setores (e de outros segmentos também) têm enfrentado atrasos significativos na liberação de cargas importadas nos principais aeroportos e portos do Brasil, em razão de greves e operações-padrão de auditores fiscais da Receita Federal do Brasil, comprometendo cadeias produtivas inteiras e acarretando prejuízos econômicos, contratuais e até sanitários.
O cerne do problema reside na mora no despacho aduaneiro: na omissão da autoridade aduaneira em dar seguimento ao procedimento dentro do prazo legal de oito dias, conforme estipulado pelo art. 4º do Decreto n.º 70.235/1972. Embora a legislação aduaneira não estabeleça um prazo específico para a conclusão do desembaraço, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais tem aplicado esse dispositivo de forma análoga, visando garantir o princípio constitucional da eficiência administrativa (art. 37 da CF).
Na prática, a paralisação prolongada de cargas, com produtos e insumos para os setores farmacêuticos, de equipamentos médicos e de alimentos, no canal amarelo ou vermelho, sem exigências complementares ou justificativas plausíveis, permite a contestação por meio de mandado de segurança que pleiteie a análise e liberação imediata das mercadorias. Essas ações judiciais se fundamentam na existência de um direito líquido e certo, lesado por ato omissivo da Administração, conforme previsto no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e na Lei n.º 12.016/2009.
Um fundamento para a concessão de medida liminar, inaudita altera parte, reside no fato de que greves ou operações-padrão, ainda que garantidas constitucionalmente aos servidores públicos (art. 37, VII, CF), não podem comprometer serviços essenciais, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. O STF afirmou que, mesmo na ausência de legislação específica sobre greves no serviço público, aplicam-se subsidiariamente as normas da Lei n.º 7.783/1989, que exige a manutenção de um contingente mínimo de trabalhadores em serviços inadiáveis à coletividade.
Esse reconhecimento é particularmente relevante no comércio exterior. O controle aduaneiro, além de ser uma função típica do Estado, é considerado um serviço público essencial cuja interrupção pode gerar danos irreparáveis à economia nacional.
Ademais, a mora no despacho aduaneiro não apenas infringe a legislação infraconstitucional, mas também viola princípios constitucionais, como o da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF), o direito à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII) e o desenvolvimento nacional (art. 3º, II). Impor a uma empresa a espera indefinida por uma decisão administrativa sem respaldo legal é comprometer o exercício de sua atividade econômica, afetando sua autonomia empresarial e segurança jurídica.
As decisões judiciais têm sido fundamentadas nesse contexto. O TRF da 3ª Região já reconheceu que o Estado não pode se valer de movimentos grevistas para justificar a inércia no desembaraço aduaneiro, principalmente quando se trata de serviços vitais à população ou da manutenção da atividade produtiva. A jurisprudência é clara: na ausência de exigências formais ou irregularidades, a Administração deve garantir o prosseguimento imediato do despacho aduaneiro no prazo legal.
De forma semelhante, o TRF-4 tem decidido que, mesmo quando a Declaração de Importação é submetida a um canal de exame documental ou físico, a falta de movimentação no prazo de 8 dias configura omissão administrativa passível de correção judicial. O fundamento é o mesmo: o direito à prestação contínua, eficaz e tempestiva do serviço público.
Em setores vitais para a população, como saúde e alimentação, produtos e/ou insumos importados frequentemente constituem ativos indispensáveis para a operação de linhas de produção e o abastecimento do mercado em geral, como hospitais, supermercados, rede de farmácias e estabelecimentos comerciais correlatos. O atraso na liberação dessas cargas afeta o planejamento logístico das empresas, pode gerar inadimplemento contratual, e, acima de tudo, um risco de desabastecimento do mercado, ameaçando a saúde pública e a segurança alimentar.
A via judicial, ainda que indesejável como solução sistemática, tem sido imprescindível para o setor para sanar a ilegalidade decorrente da inércia no despacho aduaneiro e liberação das cargas. O Poder Judiciário vem sanando a mora nos processos de importação, promovendo o equilíbrio entre o direito de greve dos servidores públicos e os direitos fundamentais dos administrados à continuidade da atividade econômica e ao abastecimento regular da população.
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